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Gosto de cozinhar. Adoro preparar um jantar para os amigos, experimentar um sabor novo que ligue bem com aquelas pessoas, com aquelas conversas. Dupla delícia, duplo prazer! Também gosto de comer, e isso ajuda, decerto!
E porque aos quarenta decides que a vida são dois dias e um já passou, e acreditas que o tempo é mesmo aquilo que fazes com ele (e eu nem gosto de frases feitas!), vais buscar os teus filhos à escola assim que tens oportunidade, porque o toque de saída tem de ser o toque de saída (bem bastam as horas de reuniões em que eles ficam abandonados num canto da sala de professores, bem bastam as horas em que tens mesmo de escrever em frente ao computador, e corrigir, e planificar, e relatar...) e chegas a casa tão a tempo de tudo: dançar uma música com a miúda, fazer uma corrida de carrinhos com o miúdo, e preparar um belíssimo jantar, entre números romanos que se estudam para o teste.
Estou fã de programas de culinária(que vejo enquanto passo a ferro) e adoro as sugestões de comida caseira do Gordon Ramsey que vou adaptando para mim.
Hoje a ementa foi couve roxa salteada (como é que eu não conheci isto antes???), com espetadas ( ou pestadas, como diz o miúdo) de frango indianas, com arroz de passas (sobras da passagem de ano) e salada de tomate. Vejam por vós!
Vejam, sim, pois que provar é impossível, porque nada restou nos pratos, e isso, bem, isso é a melhor recompensa para quem está à frente de um fogão...
...aqui, deste lado da montanha.
Dizem-me "não tenho tempo para praticar desporto, não tenho tempo para um hobbie, não tenho tempo para estudar, não tenho tempo (imagine-se!!) para ler"... e eu, bem, eu parece sobrar-me tempo da falta de tempo que tenho.
Dizem "não tenho tempo para", como se não tivessem tempo para viver, quando a mim me parece que o tempo é todo, todo, para viver.
É verdade que às vezes julgo que os dias têm o dobro das horas. É verdade que as vezes pareço meio louca, apressada a enganar os minutos. Mas, no fim, são estes os bons dias vividos.
Entre um trabalho sem horários muito definidos, que se prolonga em reuniões intermináveis pela noite fora, entre os filhos na piscina, e na ginástica, e no parque, e na escola, entre as aulas de Mestrado em horário pós-laboral (o que é isso?), entre os dias em que sou mãe e pai e avó e avô e tia e vizinho, porque a família está longe, e o pai anda às voltas com o seu tempo, entre conversas de hospital e quimioterapia, entre as corridas de fugida no intervalo de dois tempos e as braçadas na piscina durante a aula de natação da miúda e o jantar que ainda tenho de ir comprar, entre uma página do último livro comprado e um amigurumi feito, desfeito e refeito, ainda encontro tempo para sentir o sol na pele... e é aí que o meu tempo se expande... entre o sol e os meus amores.
...aqui, deste lado da montanha.
Sabes que chegaste ao limite do tempo a que podes roubar tempo, quando a tua filha, "atirada" para um ATL, onde até se diverte bastante, diz ela, tem a seguinte conversa:
- Mas tu não vais estar de férias, mamã?
- Não. tenho muito trabalho, filha, mais até do que o costume...
- E tu, papá?
- Também não...
- Para que é que serve estar de férias, se ninguém fica em casa comigo?! Mais valia estar doente...
...aqui, deste lado da montanha.
"Não tenho tempo para ler" - dizem-me alguns com os olhos infelizes,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que eu tenho tempo para ler.
Quando me dizem: "Não tenho tempo para ler"
e eu olho-os, e nos meus olhos lassos também há ironias e cansaços quando lhes digo "compreendo-te bem". Pois que eu sou a primeira a saber o que é não ter tempo. Não tenho tempo para jogos no facebook, não tenho tempo para ver telenovelas nem casas de segredos, não tenho tempo sequer para ter tempo para fazer uma manicure que leve mais do que 10 minutos... pois, sei bem o que é não ter tempo...
Tempo para comer é outra coisa. Sempre acabamos por comer. Podemos até saltar uma refeição, passar só com uma sandes ou um iogurte, é certo, mas sempre comemos. Tempos há, com menos tempo, é certo, em que leio um livrinho-sandes, ou passo os olhos por duas páginas de uma maçã, mas sempre acabo por ler. Assim, se fazem os meus tempos para ler, como as refeições: ora de repasto demorado, desde entradas a café e aperitivo; ora de uma sandocas de pronto-a-comer.
É a magia do tempo, um tempo que se desdobra em tempos, que vamos criando à medida das nossas vontades.