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Depois de mais uma noite de Urgências (até às cinco da manhã), a tentar que o meu bébucho conseguisse respirar - estava com hipoxemia-, percebo que, infelizmente, os procedimentos são cada vez mais familiares, as pessoas reconhecem-me nos corredores, os médicos falam comigo como se eu fosse da área... no entanto, nada me habitua à falta de ar, ao sufoco, aos choros e lamentos, nada me prepara para o eventual internamento... Sei que esse é o caminho acertado, mas é um caminho escuro, negro, solitário.
...aqui, deste lado da montanha.
4 dias. 4 dias são suficientes para extinguir qualquer vestígio de otimismo face ao novo ano. Em 4 dias vejo as minhas expetativas caírem, serem derrubadas, afundarem-se-se em febres, termómetros, ben-u-rons, antibióticos, pneumonia. Até poderia ultrapassar tudo isto se fosse comigo, mas com o miúdo... só consigo pensar que é um mau princípio do ano.
...aqui, deste lado da montanha.
Se há coisa que me irrita profundamente são ideias feitas, chavões do senso-comum e, pouco teimosa como sou, todos sabem bem disso..., luto afincadamente contra tudo o que é frase generalista, que qualquer estranho nos diz na rua, ou qualquer melhor amigo nos diz no sofá da nossa casa. Assim, eu deveria estar aqui a bradar bem alto que, desculpem lá, rapazes e raparigas é tudo a mesma coisa, que tudo depende da educação/personalidade da criança, que os gostos por bonequinhas/bolinhas só depende do que se lhes dá... eu deveria estar aqui a contestar todos as falsas razões que tenho ouvido nos últimos dias com estes meus, tão sábios, argumentos.
Não fosse o raio do miúdo gostar de andar de mota antes de conseguir dar um passo, não fosse ele ter dito bó, logo a seguir a dizer mamã e papá (por esta ordem), não fosse ele ter cinco pontos na cabeça ao fim dum ano, não fosse ele querer abrir os legos com a chave de fendas para descobrir o que está lá dentro, não fosse o raio do miúdo nem pestanejar durante o jogo de futebol do padrinho, não fosse ele querer atirar-se para cima de tudo o que pareça carro, mota ou bicicleta, e eu até poderia argumentar. Deste modo, resta-me apenas a triste realidade: é de gajo!
Não me surpreenderia que amanhã ou depois deixasse as meias no meio do chão e a toalha molhada em cima da cama...
...aqui, deste lado da montanha.
Vejo a chuva atirada contra os vidros da janela, ouço o vento nos ramos da pequena oliveira do jardim, adivinho o frio do lado de lá das portas, mas aqui dentro, com a lareira acesa, os miúdos atarefam-se a escolher bolas, a atirá-las ao ar, a estender fitas, a colocar estrelas. Nós dois brindamos com um bom vinho, olhamo-nos, sorrimos, tentamos preencher os minutos em que não temos tempo, apenas não temos tempo. Ouvimos músicas de Natal, enquanto a miúda tenta perceber o que são aqueles bonecos de barro, porque é que o burro está ao pé do bebé, diz "coitadinho, não tem roupa" e nós sorrimos e os nossos olhos dizem que apenas não temos tempo, e que somos felizes.
De repente, as urgências e a ambulância já estão longe, os pontos na cabeça do miúdo lembram-nos, apenas, a sua traquinice e podemos respirar um pouco aliviados, porque há instantes que valem horas.
...aqui, deste lado da montanha.
O meu menino anda adoentado. Nada de especial: tosses, espirros, expetoração, nariz entupido, mas, na verdade, uma nada de especial que consegue deixar-me desorientada.
Levanto-me de hora a hora porque ele não consegue respirar muito bem e chora. Às vezes, limpo-lhe o nariz com soro, e ele detesta e chora, outras vezes, limito-me a mudá-lo de posição. Um nada de especial que me interrompe constantemente o sono e me faz acordar rabugenta (mais ainda do que o normal), com pouca vontade de trabalhar e, à noite, quando, finalmente!, os despacho - banho, jantar, pijamas, história - já só tenho ânimo para me atirar para cima do sofá e deixar-me adormecer.
A roupa parece invadir todos os cantos da casa e amontoa-se no estendal, nos cestos, na tábua de passar. Os objectos parecem ganhar vida própria e colocam-se na minha passagem, desleixados, atirados. Enfim, vamos sobrevivendo graças à solidariedade do papá que dorme um bocadinho melhor e nos faz o jantar.
Agora, vou ali atirar-me ao sofá e rezar para dormir mais do que uma hora seguida.
...aqui, deste lado da montanha.
Amei-te antes de existires, amei-te antes de te ver e, no momento em que senti o bater do teu coração junto ao meu peito, esse amor começou a aumentar e, hoje, é um amor sem conta nem medida.
Vêm-me à cabeça pedaços de versos que transformo para serem teus:
Amo-te, assim, perdidamente ...
És alma, e sangue, e vida em mim
E digo-o cantando a toda a gente!
E o mais espantoso é que se, hoje, escrevo para ti, porque te celebro, estas palavras não são isentas de um outro tu.
...aqui, deste lado da montanha.
O NATAL foi como imaginado, a família, blá, blá, blá, e a confusão misturada com a alegria e blá, blá, blá, a emoção da Pompinhas ver o Pai Natal, blá, blá, blá, e o primeiro Natal do Róquinhas, com blá, blá, blá, mas, este ano, em casa da Di. Houve blá, blá, blá, mas entre blá, blá, blá, A DI E O BRUNO VÃO CASAR.
E hoje sou, apenas, felicidade. Sem mais palavras, sem mais comentários ou considerações. Apenas... felicidade.
Não sei como os piores dias da vida de alguém podem resultar num momento de felicidade tão grande como o nascimento de um filho, mas foi isso que aconteceu comigo. No dia em que tive um momento para respirar, e escrever o meu último post, o Rafael achou que era hora de nascer, porque adivinhava as melhoras da irmã.
Foi talvez o parto mais inesperado de todas as possibilidades que ao longo destes nove meses imaginei. A angústia que me atormentou durante os dias que estive internada com a minha princesa foi dando lugar a um sentimento de esperança, por vê-la a recuperar, e ao mesmo tempo a uma espécie de descontracção que antecedeu o nascimento do Rafael.
Depois de almoço, o Bi disse-me que vinha a casa buscar roupa (uma vez que graças à gentileza da equipa de Pediatria, estávamos os dois a acompanhar a Pompinhas, prevendo já o nascimento do Rafael a qualquer momento) e eu achei que era melhor ele não vir porque não me estava a sentir muito bem: indisposta e com umas dores, como tinha sentido já anteriormente - podiam ser ou não mais um falso alarme.
Às seis da tarde começaram a intensificar-se as contracções e eu deitei-me, tal como me mandara fazer o obstrecta, para saber se elas passavam. Não passavam. Continuavam a aumentar. Às sete horas a copeira foi ao quarto levar-me a senha para jantar e como me viu assim, disse-me que talvez fosse melhor subir ao piso da Obstetrícia para ser observada, mas, como estava com receio de que fosse falso alarme, disse apenas ao Bi que me estava a sentir com mais contracções e fui jantar. Confesso que as dores se intensificaram de tal modo que apenas comi um prato de sopa.
Depois lavei-me, arranjei as coisas que tinha no hospital, separei as roupas e os sacos e fui perguntar como se ia da Pediatria para a obstetrícia. Mais uma vez, a enfermeira foi genial e mandou a copeira comigo. Esta senhora, de quem não sei o nome, veio comigo às urgências fazer a ficha, levou-me lá acima, recomendou-me à enfermeira e esperou por mim, até saber o que ia acontecer. Quando entrei, não havia nenhum médico de serviço, mas, por sorte, estava lá a enfermeira Ana, que era quem estava lá na sexta-feira passada e quem tinha feito o parto da Sofia Miguel. Ela disse-me logo que estava destinada a ser ela a fazer também este parto porque ia ficar a fazer noite e eu já tinha 3 dedos de dilatação. Depois perguntou-me se eu queria ficar já numa cama ou se preferia vir até à Pediatria e aguardar que chegasse algum médico. É claro que eu quis ir dar um beijinho na Sofia Miguel e contar ao meu amor que o Rafael ia nascer. Eram nove horas quando a enfermeira me observou e até às nove e meia estivemos os três deitados de mãos dadas a tentar que a Sofia adormecesse para o Bi poder ir ter comigo.
Como as dores se foram intensificando, fui subindo e liguei apenas à Di a contar-lhe o que se passava. Às dez horas e quinze minutos, finalmente, apareceu uma médica que me viu e que, por insistência da enfermeira Ana, lá me fez um toque e viu que já estava com 4 dedos de dilatação. A enfermeira deu-me um clister, mas, quando fui à casa de banho apenas senti uma água a escorrer e as dores a intensificarem-se e não consegui fazer mais nada. A enfermeira levou-me para um quarto de dilatação e disse que já dava para me dar a epidural, e neste momento entra a médica e diz que me faltavam umas análises para a epidural... Eu, nesse momento, pensei que tudo ia correr mal. A enfermeira pediu as análises, com urgência, e achou que era melhor ver se o Bi já tinha chegado para me fazer umas massagens.
As contracções eram cada vez menos espaçadas e mais dolorosas e, de repente, entrou a enfermeira Ana e eu disse-lhe que elas eram cada vez mais próximas e ela disse que já tinha metido uma cunha para as análises serem mais rápidas e depois olhou para mim e perguntou se eu tinha vontade de fazer força, disse-me "tenho de a ver", "já não vai dar para fazer a epidural", "tenha calma que o momento expulsivo não custa"... E eu só pensava que ia tudo correr mal, porque estava com tantas dores.
Fui para a sala de partos a andar para ver se o meu bebé descia um pouco mais e quando me deitei comecei logo a fazer força. O Bi segurou-me na mão e dava-me força para eu continuar. A certa altura a enfermeira disse-me para parar e, quando eu olhei para a auxiliar que estava ao meu lado, senti que alguma coisa não estava bem. A enfermeira Ana mandou-me fazer força uma última vez e disse "pronto, já cá está", mas eu só via a auxiliar a esfregar uns pézinhos todos roxos e a dizer "vá, bebé, vá!". Nem mo mostraram. Levaram-no logo para trás de mim. Procurei os olhos o Bi que não parava de olhar para trás de mim enquanto me dizia que eu tinha conseguido. Eu perguntei-lhe se estava tudo bem e ele disse-me que sim, mas eu sentia que não. Perguntei se ele tinha visto o bebé a respirar e ele suspirou forte e disse que sim, mas eu sei, agora, que só neste momento ele tinha visto o peito dele a encher-se de oxigénio, com a ajuda do pediatra. O meu pequenino nasceu com uma circular toráxica e, talvez por isso, só chorou (respirou) mais tarde e não assim que nasceu.
Entretanto o pediatra, que por coincidência era o pediatra da Sofia, disse que estava tudo bem e, na primeira consulta do Rafael até explicou que a situação é mais frequente do que pensamos e pouco preocupante, mas que foram (mais) uns momentos de angústia, lá isso foram...
É claro que, hoje, em casa, com os meus dois filhotes e o meu amor, todo este sofrimento parece longínquo, mas as recordações destes dias que antecederam o parto e os momentos do parto foram sofridos. Agora só quero estar com os meus amores e chorar estas horas, porque ainda não tive tempo para chorar. Quando as lágrimas levarem estas tristezas, sei que só haverá lugar para a imensa felicidade que sinto.
Eu sei. Racionalmente, SÓ(!) engordei 9kg, estou óptima, é o ideal, estou elegante, estou linda, estou grávida, e mais não sei o quê, mas, emocional e objectivamente (a acreditar na objectividade do espelho do meu quarto e da minha balança), não páro de engordar (todos os dias), estou barriguda, tenho as pernas enormes, tenho montes (literalmente) de celulite e a minha forma física está de tal modo que há partes do meu corpo que já deixei de conseguir ver ou tocar.