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Dizem que é verão...
Não gosto de água fria.
Não gosto de areia na toalha.
Não gosto de moscas, melgas, mosquitos.
Não gosto de cinquenta voltas ao estacionamento.
Não gosto de procissões.
Nas férias há tasquinhas. Nas férias há feira da fava, do tremoço, do grelo, do vinho, do leitão, do diabo a quatro... e há tasquinhas. Tasquinhas de Lugar de Cima, de Lugar de Baixo, de Lugar do Meio e dos Outros Lugares.
E tu vais.
Sais de casa à hora que as pessoas saem de casa para ir jantar. Chegas ao Lugar das Tasquinhas, para jantar, pois claro! é normalmente o que se faz nas tasquinhas... Dás umas quantas voltas à procura de estacionamento (parece praga). Estacionas no meio de um terreno abandonado e arrependes-te duas ou três vezes de não ter comprado um jipe, de teres calçado sandálias nos miúdos, de teres levado saltos altos...
Na entrada do Lugar das Tasquinhas cobram-te 3 euros para entrar. Ah! mas tens direito a desconto de um euro no jantar. Ok! É estranho, mas cedes, já que chegaste até ali.
Paramos na primeira tasquinha. São nove e meia. Há gente amontoada à espera de vez. Damos o nome para a lista de gente que espera e resignamo-nos a... esperar. São dez e meia. Os miúdos não aguentam a fome. Vou à Tasquinha das Sobremesas e compro-lhes arroz doce. Esperamos ainda. Chegam pessoas depois de nós. Entram pessoas que chegaram depois de nós. Comem pessoas que chegaram depois de nós. Saem pessoas que chegaram depois de nós."Ah!porque vocês são muitos! É difícil mesa para tantos..." Bem, podíamos sempre ter mandado os miúdos ir comer ao restaurante, mas arriscávamo-nos a que quando chegássemos a casa entretanto estivessem... casados!
Quero lavar as mãos aos miúdos. As casas de banho são na outra ponta do recinto. Ali, onde está aquela fila de gente à espera. Homens, mulheres, crianças... Há rapazes encostados às paredes, sem paciência para esperar, enquanto a miúda reclama que mais valia ter nascido menino... Não há papel, mas imagino que isso seria pedir demais...
São onze e meia e finalmente vamos pedir. Como frango grelhado, a miúda come as ameijoas da carne de porco à alentejana (não gosta do resto), o miúdo come as batatas fritas dos bifinhos com cogumelos (tem sono), o marido continua à espera...
Vou buscar um café. Sim, porque nas Tasquinhas não se pode servir café! sabe-se lá porquê! Não se pode. tens de te levantar, sair da tasquinha, ir para uma bicha, tirar senha, esperar para seres atentida, pegar no café (em copo de plástico), levar para a outra Tasquinha (a sorte é que o marido ainda não comeu e posso sentar-me, ou teria de beber o café em pé - já vos disse que detesto beber café em pé? detesto!).
Uma da manhã, vamos comprar sobremesas à Tasquinha das Sobremesas, mas alguns fingem que ainda não acabaram de comer para podermos voltar e podermos comer as sobremesas... sentados... Pago 10 euros.
Pedimos a conta. São 35 euros. Mas nós não comemos azeitonas, e está aqui azeitonas. "Ah! e tal! é a gorjeta." ??? Mas nós não bebemos dois jarros de sangria, bebemos foi duas garrafas de vinho (mais baratas do que a sangria, por sinal). "Ah e tal! é para a gorjeta. ???"
A sério? Isto é possível??!!
...aqui, deste lado da montanha.
Odeio areia na toalha. Ah! E tal, então não vás à praia... Mas eu gosto de praia. Gosto daquele meio minuto em que dadas cinquenta voltas ao estacionamento, à procura dum buraquinho para enfiar a carrinha, depois de constatar que o mais seguro é estacionar a uns quilómetros da praia, atendendo aos olhares furiosos dos que nos ultrapassam, não vá dar-se o caso de vermos um lugarzito primeiro que eles; depois da certeza de, ao contrário do que pensávamos, termos quatro braços, a confirmação de que as horas de ginásio são preciosíssimas e a descoberta de que também podes carregar sacos na cintura e sempre te ajeitas com as pranchas em cima da cabeça, depois de percorridos os quilómetros que te separam da praia, tentando chegar viva, passando por entre carros, pranchas e seres não identificados, com a certeza de que pelo menos ainda não perdeste os filhos pões um pé (com o outro tentas equilibrar o saco que trazias na cintura e que entretanto escorregou) na areia;
imagem: http://www.localfunforkids.com
depois de dez com licença, cinco gritos aos miúdos para que não dispersem, mais três gritos para que parem de ir tirando a roupa pelo caminho, encontras, finalmente, lugar para uma das pranchas e decides que pões tudo em cima dessa prancha, não abres o chapéu de sol, não estendes as toalhas e os miúdos coloca-los em cima dos sacos, enquanto torces para que eles não percebam que entre os dois está o pé da senhora do lado e não o camião de areia como imaginam; depois de cinco segundos de começar a espalhar-lhes o protetor, o miúdo se rebola na areia e ela cai enquanto tira os calções; depois de desistir de estender a toalha, vou com eles para o mar, o único sítio onde cabemos os três, mas ele tem medo das ondas e não passa da beirinha e ela só quer ir apanhar ondas e foge da beirinha; depois de uma massagem de areia feita por ela, e uma de areia e migalhas de bolachas de chocolate feita por ele, sentada na areia, eles conseguem, ainda assim, verificar que eu não tenho areia na cara e decidem sacudir os baldes em cima de mim; depois de ultrapassado o percurso em sentido contrário, enquanto ela me implora que ponha o cd dela com a música do Benfica no trajeto para casa e ele choraminga porque tem fome de uma bolacha... gosto daquele meio minuto em que rodo a chave, ligo o motor, olho em frente e penso que sobrevivi.
...aqui, deste lado da montanha.
Gosto dele. Este amor secreto é o meu lado adolescente feminino. Uma face escondida que vou reprimindo da melhor forma possível, da melhor forma que sei. Às escondidas, às escondidas. Aproximo-me às escondidas. Espreito como por acaso, ah! vejam só o que me calhou entre mãos!, a não deixar que os outros vejam, a tentar que os outros não descubram.
Quando não resito mais, cedo. Rendida. Com remorsos, já. Sei que ele acabará enterrado debaixo de todas as minhas outras paixões, numa tentativa para que ninguém o descubra.
Detesto-o. É cruel, convencido, arrogante, vive na sombra de um nome.
Mas os livros, raios!, os livros acabam sempre por me prender. Gosto dele nos livros.
Devia obrigar-me a cumprir as promessas de nunca mais. Nunca mais um livro dele! Mas a vontade...
Já nada razão, já nada coração, apenas e só vontade.
Alguém me ofereça, por favor, para que não quebre as promessas de nunca mais.
Depois, há ainda a outra versão das férias em que sais de tua casa, onde tens o máximo de conforto para o qual te esfalfaste de trabalhar durante o ano, e vais para outra casa, normalmente uma casa desabitada a maior parte do ano e que, por isso, não tem nada, ou, no limite, tem sujidade e teias de aranha para limpares.
(imagem: estadao.com.br/)
E acontecem coisas maravilhosas nessas férias fora de casa, como passares o tempo todo a lavar a loiça à mão, o que deve querer dizer férias da máquina de lavar, ou varreres a casa toda... férias do aspirador, ou não teres panda, axn, fox... férias do televisor, ou não teres microondas, forno, churrasqueira... férias da cozinha, ou não teres brinquedos suficientes, roupa suficiente, loiça suficiente, utensílios suficientes, bicicletas suficientes... ficou tudo de férias. Onde? Na tua casa.
...aqui, deste lado da montanha.
dia 2.
continuo a questionar este conceito estranho de férias que se foi apoderando de nós como se as férias fossem, afinal, a única razão para que os dias se sucedam: trabalhar, ganhar dinheiro, trabalhar, ganhar dinheiro, trabalhar... para as férias. Bem, não sei se sou só eu, mas não percebo de que é que estou de férias nas férias.
Nas férias cozinho mais, porque somos quatro a fazer as refeições cá em casa; nas férias passo mais a ferro, porque todos usam mais roupa, para a praia, para a noite, para as festas; nas férias limpo mais a casa, afinal não faz sentido a mulher-a-dias, ou melhor, mulher-a-quatro-horas vir limpar a casa quando eu estou de férias; nas férias lavo mais, porque estou de férias e é a altura para lavar tapetes, passadeiras, paredes e tetos... Enfim, deve haver quem goste de estar de férias. Deve haver quem seja gata borralheira, uma verdadeira dona de casa a sério, deve haver quem adore as férias...
E tu??! A contar os dias para o fim das férias!
Devia ir a Lisboa. Tenho de ir a Lisboa. Não queria ir a Lisboa, queria ir hoje para o Algarve, instalar-me num hotel, dar uns mergulhos nas piscinas e no mar, não fazer nada. Vou a Lisboa.
A ter de ir a Lisboa, devia aproveitar para ir aos saldos, ver montras (o que é isso?), experimentar umas roupas (há anos que não experimento roupa...), comprar uns ténis (os meus estão rotos. mesmo!), mas isso é impossível com eles. Tento minimizar os danos. Levo-o a ele à creche. Chora. Não quer ir.
Convenço-o. É o último dia, digo-lhe.
Arranco com a filhota. Não tenho onde a deixar. Aviso-a para uma hora de viagem para cada lado e nada de bom para fazer pelo meio. Leva a Nintendo.
Meia hora passada, entro na auto-estrada. Dois metros depois das portagens pergunta-me: "há aqui algum café? estou aflitinha para ir à casa de banho..."
Não! Não há porcaria nenhuma de casa de banho! Acabámos de entrar na auto-estrada.
E tu??! A contar os dias para o fim das férias!
Primeiro dia de férias. Farta de estar sozinha. Apetece-me prolongar os minutos debaixo do edredão. Ouço os miúdos na sala. em pijama, sem comer, descalços, tenho a certeza...
Temo não aguentar muitos mais tempo com os dois. sozinha. Arrependo-me de lhes ter anulado o atl. Arrependo-me de me sentir arrependida de já estar farta de estar com eles.
Nenhuma mãe se sente farta de estar com os filhos, não é? Pois... arrependo-me. Frusto-me. Apetece-me adormecer debaixo do edredão. Um dia a dormir...
Tenho a certeza de que estão descalços.
Obrigo-me a levantar-me.Estão descalços.
E tu??! A contar os dias para o fim das férias!
"Pedro calou-se enquanto revia as possibilidades de si nos cabelos de Ana Cristina. Se pelo menos aquilo que sentia por ela fosse mais físico, mas não, nunca fora físico, nunca um corpo no outro. Não havia nada de físico entre eles. Física apenas."
"Pedro calou-se enquanto revia as possibilidades de si nos cabelos de Ana Cristina. Se pelo menos aquilo que sentia por ela fosse mais físico, mas não, nunca fora físico, nunca um corpo no outro. Não havia nada de físico entre eles. Física apenas."