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Havendo uma oportunidade, ainda que rápida, convidei o meu amor para um almocinho a dois, mas, como o tempo escasseava, acabámos por não ir muito além da cantina dos professores (restaurante colado à escola, entenda-se). Assim sendo, portas meias com a escola, acabámos por dividir o espaço com todos os meus colegas da uma e meia... O marido, comprovando sem querer a minha teoria de que os homens fingem que não, mas reparam nestas coisas que se fartam, disse-me entredentes "Já tiveste colegas com melhor aspeto!" E eu, que não quis dar bandeira, porque só nos fica bem fingir que acreditamos que eles não reparam nessas coisas, não lhe dei muita importância; mas, de regresso à escola, não perdi muito tempo sem me fingir de morta e ver bem, com olhos de Pipoca Mais Doce, aquela sala de professores.
Chega a ser deprimente. Nota-se que as pessoas mais novas não tem dinheiro para roupas e usam vezes sem conta aquilo que usavam há mais de um ano atrás, mesmo muitas tendo engordado ou, pelo contrário, emagrecido. Os mais velhos pararam no tempo. Lá estão, fixos, sensaborões, sem graça, sem estilo. Lamentável! Há uma certa camada de frustação que se agarra como lapa aos professores e os reveste substituindo-lhes a roupa.
Sabem aquele conceito de professora de camisola de lã já velhinha, decerto primeira experiência nas malhas, feita pelas mãos da própria, cor-de-rosa bebé de preferência, com saia de bombazine verde daquele tamanho que não é curto nem comprido? A escola tem. Sabem aqueles professores que usam as calças de ganga tão puxadas para cima que a metros de distância se consegue legendar aquelas partes que, muito apropriadamente, se designam por íntimas? A escola tem. Sobretudos cor-de-burro-quando-foge, calças de ganga da mãe, camisas apertadinhas no colarinho... há de tudo isto, só não há mesmo é gente gira ou pessoas que, pelo menos, revelem um bocadinho pequenino de prazer em se vestir.
[e olhem que eu nem sou muito, muito fashion victim, nem coisa que o valha... vi isto só com olhos de estranha a entrar pela primeira vez naquela sala de professores]
...aqui, deste lado da montanha.
À noite a minha filhota entusiasmada por saber que hoje se comemora o "dia 25", lá foi contando aquilo que sobrou das lições que deve ter ouvido ao longo do dia: havia um rei que era muito mau e não deixava ninguém falar e as tropas foram para a rua, mas não usaram as pistolas, só uma espada, assim muito pequena, mas não mataram ninguém; depois, os tropas começaram a gritar que que queriam falar e, agora, todos podem falar, e Portugal é muito barulhento .
Não sei se o barulho de Portugal é suficiente para se ouvir, ou se Portugal voltou a calar-se, ou se grita muito e não diz nada; não sei se os meus filhos compreenderão alguma vez o significado do 25 de Abril. E há uma parte de mim que deseja que não. Confesso que, mesmo para mim, o 25 de Abril, só ganhou a importância da Liberdade, quando liberta o suficiente da placenta da minha mãe, há 38 anos, e da placenta da sociedade, há 20 e tal anos, fui capaz de entender mais do que os nomes, das aulas de história, que decorávamos na véspera dos dias dos testes.
O meu primeiro 25 de Abril vivi-o, pela primeira vez, quando terminado o 2º ano (atual 6º) de uma telescola improvisada na aldeia, a minha professora de Português pediu à minha mãe que me deixasse ir estudar, que se não o fizesse iria arrepender-se. E a minha mãe respondeu que não podia ser, que não eram nenhuns fidalgos, que eu era filha deles, e isso dizia tudo do antes do 25 de Abril, porque os filhos deles não estudavam... E eu chorei, porque queria ir estudar (oh! miséria! oh! insulto supremo ao espírito dos meus pais, filhos de ninguém!). E a professora disse à minha mãe que as coisas estavam a mudar e que nós tínhamos de contribuir para a mudança. E eu fui estudar, com o aviso de à primeira nota abaixo do bom voltar para casa ajudar nos gastos...
Sim, acho que foi a primeira vez que senti o 25 de Abril. Liberdade.
...aqui, deste lado da montanha.
Há dias em que os dias são a pele, a pele, só pele. O acordar é um toque da tua pele; o dia é a minha pele a querer a tua pele. Estes dias são assim: só desejos, só vontades de pele na pele. Mas mais loucos são estes dias, por esta pele não ser apenas desejo de corpo, mas desejo de ti. Hoje sonhei acordada, enquanto via as fotos de um qualquer resort turístico,que vou contigo ao Bali. Que vamos estar felizes ali. E a pele dos meus dias traça esse sonho como uma vontade a que, a partir do momento em que a sonhei para nós, já não poderemos fugir.
...aqui, deste lado da montanha.
ao fim de 31, quase 32, anos de escola, continuo a detestar trabalhos de grupo. Mil razões que todos conhecem, duas ou três por causa deste meu lado autista às escondidas. Logo vou ter de apresentar um. Não apetece!
Socorro! deixem-me ficar no sofá a fazer renda.
...aqui, deste lado da montanha.
Talvez uma das minhas (inúmeras) qualidades seja esta capacidade de adaptação ao meio...
que se dane o gourmet! arranjem-me a porcaria de um livro barato, que não implique gastar 50% do valor do que ando a reservar às pinguinhas para umas calças de ganga, ou que me faça gastar todo o orçamento do mealheiro semanal para ir à Disney (daqui a dois anos...).
Parece que vou ter de pôr de lado a teoria de o livro tem de ser meu e começar a ir à biblioteca, outra vez... antes que os efeitos da abstinência comecem a ser muito evidentes.
[duas semanas sem livros]
...aqui, deste lado da montanha.
Não se cansam das pessoas que são sempre "boazinhas"? Não tenho paciência para pessoas maravilhosas, altruistas, que assumem as dores dos outros como suas e lutam até à exaustão por causas que, muitas vezes, são vazias. Não tenho paciência para pessoas que dizem o que é bonito. E adoram os pobres e os doentes e os desempregados e as crianças e os animais (e não necessariamente por esta ordem).
Julguem-me. Condenem-me.
Raios! Difícil, hoje, é ter uma "vidinha".
...aqui, deste lado da montanha.
Colega: Então, ontem não vieste àquela reunião importantíssima com o Diretor da Escola? Olha que ele agradeceu muito aos que vieram...
Eu: Pois, não... mas fui à piscina com a minha filha e ela foi muito corajosa e fez frente à "menina má" que agora divide as aulas com ela. Ah! e caiu-lhe um dente!
...aqui, deste lado da montanha.
Durante muito tempo, fui feliz a dar aulas de Literatura. Houve momentos em que, a discutir ideias com os meus alunos, a ensinar a gostar de ler, a fazê-los pensar, a aprender, julguei que não poderia nunca mais sentir-me realizada daquela forma.
Quando temos a capacidade de sairmos de nós e nos observarmos como espetadores de uma qualquer cena de um filme e vês que aquela personagem, que és tu, tem à sua frente 50 pessoas mais velhas, mais experientes, mais sábias, mais cheias de saber, e vês que aquela personagem, que és tu, tem à sua frente 50 pessoas que a ouvem e num momento qualquer, um fragmento de um instante apenas, pensam que aquela miúda lhes está a ensinar alguma coisa, é aí que vês que aquela personagem, que és tu, está tão feliz, tão realizada profissionalmente, que sentes uma onda de orgulho imodesto que procuras esconder apressadamente, mas tens a certeza que não voltarás a atingir um patamar tão elevado nesta coisa de ensinar.
Depois, há um dia em que recuperamos aquela capacidade de sairmos de nós que julgávamos já impossível e observamo-nos, ainda, como espetadores e vês que aquela personagem, que és tu, tem à sua frente 4 pessoas, pequeninas, com tantas experiências de vida, mais pobres de saber viver, mais carentes de amor, e vês que aquela personagem, que és tu, tem à sua frente 4 pessoas tão diferentes, tão especiais, que num qualquer instante, das suas vidas atribuladas de histórias mais ou menos estranhas, a ouvem e lhes sai da boca " professora, tu ensinas-me coisas tão giras. és tão linda!". E é aí que vês que aquele aquela personagem, que és tu, está tão feliz, tão realizada profissionalmente, que sentes uma onda de orgulho imodesto que te assalta, e tens a certeza que esta coisa de ensinar também é esta redescoberta diária de aprender a ensinar.
Assim, contra os mais céticos, realmente eu gosto de ser professora de Educação Especial.
...aqui, deste lado da montanha.
Fim de semana de chuva. Os miúdos não podem sair de casa, a casa encolhe à medida que as horas avançam. Ninguém consegue fazer nada. Ninguém consegue trabalhar porque eles precisam de ti sempre. Querem comer, beber, ir à casa de banho, ver o panda, pintar, mudar de roupa...
Incrível como um fim de semana de chuva pode ser tão bom. Não fazer nada e decidir que não se vai fazer nada. Sentarmo-nos no sofá a pensar que não se vai fazer nada. Pegar nos miúdos. Colocá-los no colo, uma e outra e outra vez. Ver a chuva a cair. Fugir da chuva para ir tomar café e saberes que não vais fazer mais nada e não tens horas marcadas e também não queres saber da roupa, e da casa e da escola. Amanhã pensarei nisso, se tiver tempo...
No final de domingo, pensar no que fizeste este fim de semana e reparar que viste os teus filhos crescer e a chuva cair é uma coisa boa da vida.
PS:desconfio que quando aquela minha amiga que nunca vem ver o meu blog diz que às vezes sou um pouco lamechas se refere a coisas como esta que acabei de escrever, mas vou fazer o quê? Deixar de ver a chuva cair??...
...aqui, deste lado da montanha.
Tenho acordado assim, longe de mim, vendo a minha vida à distância, pensando que preciso de estar sozinha, querendo a solidão dos dias sem filhos. Vontades de silêncios, de banhos longos, de pensamentos ininterrompidos. Desejos de cafés à beira-mar, sem falar, a fumar cigarros-cigarros, sem medo de adoecer,porque lhes faço falta, a beber sangrias de espumante com os pés na areia quente, sem medo de sol a mais nas cabeças, chapéus a menos nas cabeças, protetores solares a menos nas caras, frio a mais nos pés, fome a mais nas barrigas, água a menos nas bocas... Longe de mim, à distância, preciso de dormir, sem acordar de duas em duas horas, para me aproximar de mim...
...aqui, deste lado da montanha.